Os franceses comem menos carne vermelha
A época atual assiste ao crescimento da sensibilidade geral da população em relação aos animais. Numerosos comportamentos mudam, mais ou menos lenta, mas infalivelmente. Sobretudo no que concerne ao consumo de carne. Mas, como se verá, isso lamentavelmente não significa, de modo algum, uma melhora da sorte da esmagadora maioria dos animais [1].
Na nossa civilização, a carne tem sido, desde sempre, o alimento por excelência, aquele que dá força e saúde, e que refeição alguma digna deste nome saberia dispensar (a palavra carne, vivanda, designava originalmente todo e qualquer alimento, tudo o que faz viver). E a carne, a verdadeira, a bem viril, era, simbolicamente, a carne vermelha. E o resto...
Entretanto, desde aproximadamente uma década, o consumo de carne vermelha está estagnado ou regride : « O steak perde terreno: de três anos para cá, o consumo de carne está estagnado, sobretudo de carne bovina [2] ». A tal ponto, que isso está inquietando os industriais da « fieira do boi », que lançaram recentemente uma gigantesca campanha publicitária que se vale de todos os meios e tem os mais variados objetivos. O CIV (Centro de Informação das Carnes) difunde um livrinho destinado às crianças, com histórias em quadrinhos de Popeye, charada etc., intitulado « Mais ferro para tornar mais forte », assim como dois folhetos, intitulados « O boi europeu de qualidade: a carne, um patrimônio que constrói a vida [3]. » Neste ano, essas peças publicitárias foram maciçamente difundidas nos trens de grande velocidade, nos consultórios médicos... Outras peças publicitárias do CIV (« A carne, fonte natural de ferro ») apareceram por diversas vezes em TV Mag [Revista da TV] e Science & Vie Ciência & Vida e, sem dúvida, em muitas outras revistas e jornais. Todas, qualquer que seja o público visado, alegam um discurso dietético.
A população classifica tradicionalmente as carnes de animais em quatro categorias: as carnes negras, vermelhas e brancas, e « o » peixe. Escapam a esta classificação certas carnes de estatuto particular, como a dos porcos, caracóis, rãs e « frutos do mar » ; não falarei delas aqui.
Essas carnes são hierarquizadas e portadoras de simbólicas diferentes, do mesmo modo que os animais que fornecem, contra a sua vontade, a sua matéria:
Permito-me aqui uma digressão referente ao estatuto à parte dos peixes, que também nos esclarecerá um pouco sobre esse sentimento de dominação: creio que se dá um grande passo em termos de compreensão, ao considerar que nós não conhecemos os peixes, nem a sua vida, nem o seu ambiente de vida, nós quase não os vemos evoluir, não os ouvimos gritar, não temos a priori nenhum meio de comunicar-nos com eles e, portanto, de atribuir-lhes um lugar de sujeito ou de interlocutor (mesmo que seja somente no nosso imaginário); eles permanecem a priori objetos nas representações e nos sentimentos que temos deles: eles são totalmente diferentes de nós. Eles « não têm nenhuma semelhança conosco, nenhuma sociedade, eles nos são totalmente estranhos, nós não obtemos nenhum serviço deles, e tampouco qualquer utilidade durante a sua vida, mal eles saem da água e já morrem por si mesmos... se se lhes tira esse resto de vida eles não dão nenhum grito... e o pouco de sangue que eles espalham não é capaz de despertar piedade em nós [7]. »
O peixe é, assim, simbolicamente, objeto, não de uma matança, mas de uma simples colheita (« A sua própria morte é passiva e não requer senão uma intervenção humana muito fraca, que esvazia todo o ato sacrificial [8]. »). Ele aparece no imaginário dos seres humanos por demais adventício para dar guarida, pelo viés da violência do extermínio, a um real sentimento de dominação. Este último implica sentir uma proximidade, uma relação e uma comunidade de destino, condição preliminar necessária à distinção que o ato de dominação estabelece: o outro é inferiorizado, depreciado pelo ato de violência, e o matador/comedor é superiorizado, diferenciado, distinguido, valorizado pelo mesmo. Ao contrário dos peixes, é precisamente o que se passa com os animais terrestres, de sangue quente, capazes de fugir, de manifestar o seu medo, de se debater...
Consequentemente, os peixes praticamente não constituem um alimento nobre; a Quaresma outrora não era vivida positivamente, é o mínimo que se pode dizer! Tratava-se de um tema popular, como dá testemunho disso uma paródia medieval dos cantares de gesta, « A Batalha da Quaresma e do Carnal [9] ». E isso, não somente porque a alimentação era então mais problemática do que hoje. Nos dias normais, os peixes, vendidos fumados, salgados e curados ao fumeiro, defumados, ou salgados nos mercados, permaneciam como alimento de pobres. Nos dias de jejum, os ricos e dominantes compravam peixes vivos (pelo frescor, ou para poder matá-los?); ou então, tentavam de contornar os interditos religiosos, comendo « bichos aquáticos »: aves aquáticas (patos...), rãs, tartarugas, e mesmo... castores [10]! No conjunto, comia-se pouco peixe fora dos dias de Quaresma e de jejum [11].
Já entre os gregos, os peixes, ainda que muito apreciados, não eram considerados como carne. Isso parece ter permanecido como regra durante a Antiguidade, e, « não foi, na verdade, senão após a instituição do cristianismo que a pesca fez progressos. Ela não havia passado de uma profissão vil, abandonada às mãos de escravos: a necessidade de satisfazer os dias de abstinência converteu-a numa profissão necessária [12]. »
Necessária, se diz, mas de pouco prestígio por isso: contrariamente à caça, « ela era considerada [por volta do fim da Idade Média] antes como uma atividade econômica (pesca com rede nos rios e drenagem periódica dos lagos); o senhor, que detinha o respectivo monopólio, ter-se-ia rebaixado se ele mesmo a tivesse exercido [13]. » Em compensação, ele se reservava inteiramente o direito da caça, valorizando a si mesmo, e símbolo de sua dominação sobre os outros animais, sobre as suas terras e sobre os outros humanos.
Este rápido histórico, e a breve análise que dele apresento, dão a explicação de um fato que, de outro modo, pode parecer incompreensível: as pessoas que deixam de comer carne, ou se recusam a fazê-lo, rejeitam com frequência, antes de mais nada, a carne vermelha, depois, eventualmente, a carne branca, e enfim (nem sempre) os peixes; isso sobretudo quando a rejeição parte de um desgosto (isto é, de bases não-formuladas e impensadas, e do qual, no ambiente social atual, bem frequentemente se prefere que elas continuem sendo [14]).
O sentimento da violência (notadamente engendrado pela visão do sangue) e os sentimentos de dominação estão muito ligados. Não é, entretanto, a mesma coisa, e não é evidente que, ao deixarem de comer carne vermelha, os nossos contemporâneos estejam reagindo realmente contra a dominação imposta aos outros animais. Em compensação, creio que é muito verossímil que eles reagem contra o espetáculo da violência, que eles acham insuportável enquanto tal: então é a preocupação, não com os interesses dos não-humanos, mas com a sua própria integridade emocional, que os motiva.
Nos dias atuais, a crueza, o prazer que proporciona o aniquilamento e o sofrimento de outrem, o sentimento de satisfação que nos proporciona a nossa superioridade física, são submetidos a um controle social severo e ancorado na organização estatal. Todas essas formas de prazer que vêm contrabalançar, na nossa época, ameaças de desprazer, não se exteriorizam mais senão de uma maneira indireta, ou – o que na origem vem a dar no mesmo – refinada. (...) A vida na sociedade medieval sugeria uma atitude oposta: a rapina, a luta, a caça aos homens e aos animais faziam parte das necessidades da existência e estavam inscritas nas próprias estruturas da sociedade. E é perfeitamente normal ver os fortes e os poderosos contá-las também entre os prazeres da vida [15].
Uma das características da relação social capitalista é tender a substituir as antigas relações de dependência entre pessoas (amo/escravo, senhor/servo, marido/mulher, pais/criança...) por uma relação entre indivíduos de um tipo mais abstrato, mediada pelo dinheiro: nós não mantemos mais o outro diretamente sob a nossa dependência e o nosso arbítrio, o poder que exercemos contra o mesmo não é mais direto, mas vem dos vinténs de que dispomos, isto é, no fim das contas, da nossa posição num sistema social geral.
Consequentemente, a violência corporal entre indivíduos, ligada, em grande parte, às relações de dependência pessoal, tende a desaparecer, e se propaga, ao contrário, lentamente, desde o século XVI, uma sensibilidade cada vez mais forte à destruição do corpo do outro: sensibilidade de recusa da violência interindividual, física, e mesmo psicológica [16].
Com efeito, com o desenvolvimento do capitalismo e da ideologia/sentimento humanista a que ele está associada/o, é a relação ao corpo em seu conjunto, ao seu próprio, como ao dos outros, que se transformou profundamente ao longo de uma evolução que se estende por quatro séculos e que ainda está em ação: evoquemos o desaparecimento progressivo dos castigos corporais, a abolição da tortura no seio da humanidade, o desaparecimento da pena de morte, a privatização do corpo (as « funções animais », as « necessidades naturais », as secreções corporais, etc., são doravante redirecionadas à esfera privada). Tudo o que, na relação com o corpo humano, podia « atacar a dignidade humana », apresentando-se « degradante », « animal » (pulsional, por exemplo) acabou por ser recusado: recusa doravante de atacar um humano em seu corpo, recusa também dos humanos de deixar ver a sua « animalidade ». Esta evolução também teve consequências nada desprezíveis no que se refere à sensibilidade ao corpo dos outros animais; e, notadamente,
...a maneira de apresentar a carne evoluiu muito entre a Idade Média e a época moderna. A linha desta mudança é muito instrutiva: nas camadas superiores da sociedade medieval, levavam-se à mesa animais inteiros ou enormes porções de carne. Era o modo habitual de servir os peixes, as aves – às vezes com as suas penas – as lebres, carneiros e vitelos. A caça graúda, os porcos e os bois eram assados por inteiro no espeto. O animal era trinchado sobre a mesa. (...) Mas, pouco a pouco, a visão do desmembramento passou a ser sentida como penosa. O desmembramento como tal não podia ser suprimido, já que é realmente necessário cortar em partes o animal que se quer comer. Mas o que ofende a sensibilidade é relegado aos bastidores, longe da vida social. Especialistas se encarregam disso na loja ou na cozinha. (...) A orientação desta evolução não conseguiria deixar margem à mais ínfima dúvida: ainda que a norma da separação considerasse a vista de um animal morto e seu desmembramento sobre a mesa como agradáveis ou, pelo menos, como de nenhum modo desagradáveis, a evolução se orienta no sentido de uma outra norma, que postula que se esqueça, tanto quanto possível, que um prato de carne tem alguma relação com um animal morto. Uma boa parte dos nossos pratos de carne são preparados e cortados de tal maneira, que ao degustá-los, dificilmente se leva em conta a sua proveniência [17].
... sem pôr em dúvida a dominação!
Hoje em dia existe claramente uma forte tendência no sentido de neutralizar as carnes, a fim de que elas não lembrem em demasia o animal concreto, tal como ele era quando ainda vivia, ou tal como era o seu cadáver antes de ser trinchado. Procura-se, portanto, mascarar efetivamente a realidade: os chamados « locais de matança » ( « tueries », no original francês, antigo nome que se dava na França aos matadouros, ou « locais de abate », mudança por si só significativa) desapareceram das cidades desde o século passado, a carne evoca cada vez menos o animal, evitam-se as fotos de criações intensivas, etc.
Mas os comerciantes de carne, magarefes ou supermercados raramente se esquecem de nos recordar, por outro lado, o que é a carne: fotos de animais de morticínio, desenhos de animais que sorriem ao passante para convidá-lo a comê-los, peças publicitárias muito explícitas, etc.; se a violência está mascarada, se o concreto da vida e da morte está obliterado (não há odores, não há formas, cada vez menos ossos...), um e outro são sempre redestilados ao consumidor, mas sob uma forma puramente positiva em termos emocionais. É que não se trata, por isso, de esquecer que o que se come não é um banal legume: é de fato um animal! Que viveu (ao ar livre, se se acredita nas peças publicitárias, como um verdadeiro animal!), e que foi morto inteiramente de propósito para nós.
De fato, a evolução que tende a neutralizar as carnes é lenta e não se faz sem contradições; a maior parte dos magarefes e supermercados não hesitam, ainda hoje, em pôr em destaque o vermelho sangrento de sua mercadoria. E as primeiras tentativas de neutralização, devidas, na verdade, a uma evolução da distribuição em função dos imperativos da economia de mercado, foram difíceis: quando a carne começou a ser vendida nos supermercados na forma de auto-serviço, ou seja, sem a presença de um açougueiro, em condições que a banalizavam, tornando-a semelhante a qualquer outra mercadoria, no começo foi um fracasso: o que, não se vai mais comprar a carne do produtor, no campo, ou ao menos do açougueiro, e sim, num lugar neutro, onde ela é um gênero como qualquer outro?
Nos anos 50, a instituição de novos filmes e películas, cujas características permitem retardar a degradação da carne dividida em unidades-consumidor, representou uma etapa importante em direção a uma nova forma de venda: o auto-serviço. A partir de 1952, experiências realizadas em Paris pela Sociedade Prisunic, abastecida por um matadouro industrial do Centro da França, foram um fracasso. Elas foram retomadas sobre novas bases em 1956/57 e, desde então, a fórmula progrediu nas [lojas de grande e média superfícies]. (...) Como já foi visto, até o fim do século XIX, a carne era vendida ao consumidor sob uma forma pouco elaborada, muitas vezes com ossos, e pouco depurada. (...) No começo, o consumidor era bastante reticente em relação a esse [novo] sistema de venda, pois em seu espírito era uma « outra » carne que lhe estava sendo proposta. As duas concepções da venda da carne existem atualmente: a dita tradicional, implicando a intervenção direta de um vendedor, e a outra, em forma de auto-serviço, que deixa ao consumidor a responsabilidade pela sua escolha [18].
Creio que seja, entre outras coisas, o caráter « gratuito » (absolutamente supérfluo em termos fisiológicos) da carnificina para a carne que lhe confere secretamente o atrativo. É que em caso algum não se afirma tão claramente o fosso que separa « o Homem » do « Animal », e a inferioridade deste último; pois o que o afirma na prática é justamente a diferença de consideração dispensada a uns e a outros, a diferença de tratamento que daí decorre tão concretamente.
Os humanos são respeitados, e acima de tudo a sua vida, dita sagrada, e se, « acessoriamente », se puder ser induzido a matá-los ou maltratá-los, isto não pode ser senão por um interesse « consequente » (guerra, herança, roubo, ciúme...) [19]. Se um humano mata um outro por prazer ou por qualquer outra razão julgada insuficiente, ele se tornará um « caso patológico ». Neste contexto, a « razão insuficiente » e, particularmente, a busca do prazer de matar ou de fazer sofrer deixa de ser uma razão, para tornar-se uma desrazão. O homicida é então expulso da Humanidade (como Bokassa, Hitler ou Issei Sagawa, ele é qualificado de monstruoso, de desumano) por haver aviltado [20] a sua vítima - e, portanto, todos os humanos – à categoria de uma besta, ao tê-la tratado, não somente como uma besta, mas na qualidade de besta.
Pois para os humanos o atributo dos animais é de não existir senão para o uso ou o prazer humano. E a carne, não possuindo qualquer caráter de necessidade [21], é a própria afirmação prática disso. Trata-se de utilizar o animal e, o que é melhor, para o nosso exclusivo prazer (isto é, « gratuitamente »).
Quanto a matá-lo, é uma outra história. É que ter deleite no próprio ato de matar pode muito bem levar ao desfrute de matar um humano. Pode muito bem levar ao fato de o extermínio de um humano passar, de um meio, a ter, também ele, uma finalidade em si (sadismo, crueldade). Ora, o que é próprio do humano deve ser de ser morto por dever social ou moral, por necessidade (e há gradações na necessidade) ou por paixão (é por isso que a premeditação é tão mal vista) e não poderia entrar em cogitação a possibilidade de isso tornar–se um « ato gratuito ». Não é por acaso que na nossa civilização a Igreja e os moralistas não têm cessado de exortar as suas ovelhas a não tratar os animais com crueldade: o humano, este se respeita, este tem uma dignidade, que o paternalismo benevolente está lá para adular.
É preciso, portanto, que haja desfrute em matar o animal, sem que haja desfrute em matar, sem que seja o próprio ato de matar que se torne fonte de prazer, independentemente de quem se mata. E esse mesmo sentimento de prazer, sádico, será progressivamente rejeitado, cada vez em maior grau: certamente será conservado o extermínio, mas doravante será necessário que ele se efetue cada vez mais mecanicamente, com economia de emoção.
Até o século XIX, matavam-se os animais na rua, no centro de um círculo de basbaques, e o sangue escorria por regos ao longo das calçadas, enquanto toda a rua desfrutava dos gritos de agonia. Foi sob Bonaparte que se começou a centralizar o extermínio nos matadouros, depois a empurrar estes últimos à periferia das cidades, primeiramente em Paris, depois pouco a pouco em toda a parte (salvo nos campos, onde o afastamento é impossível); isto a pretexto de higiene (médica e... moral). Com o crescimento do humanismo e com a industrialização geral da sociedade, o extermínio se profissionalizou (e, graças também à divisão do trabalho, se neutralizou) e os profissionais se acharam isolados da população, longe dos centros das cidades. Se os humanos continuam a desfrutar do extermínio do animal, não é mais que simbolicamente, de maneira mais abstrata, continuando a comê-lo, mas sem mais matá-lo por si mesmos.
É o que exprime o sociólogo especista Paul Yonnet, ao falar da sensibilidade moderna que está na origem das associações de proteção animal:
Será que aqueles - numerosos - que prometem mil mortes aos toureiros, são por isso vegetarianos? Absolutamente. Eles comem carne bovina (...) O essencial para esses carnívoros hipócritas é não assistir à administração da morte, fazer desaparecer a cena do extermínio animal, onde se exibe a relação de natureza, que é ecológica, que vê uns dependendo dos outros, uns comedores, os outros comidos. A zoofilia joga sobre o seu ganho: a urbanização e a divisão do trabalho fazem, com efeito, com que o habitante das cidades não crie nem mate mais ele próprio os animais que come. Os zoófilos interiorizaram este desaparecimento da proximidade do extermínio animal alimentar e, transformando este constrangimento social da vida urbana em conquista voluntária da consciência humana, reclamam sua extensão aos teatros em que subsiste a simbolização daquilo que nos une aos animais e nos diferencia dos mesmos. (...) Ao final do processo zoofílico, não há um único vegetariano a mais. Pois a questão está em outra parte: é a do desaparecimento da morte animal agora e já marginalizada [22].
É instrutivo, mas no final das contas muito assombroso, reencontrar sob a pena de um sociólogo a referência à « relação de natureza, ecológica », à predação, para legitimar os fenômenos, profundamente sociais, porém, que são a apropriação dos animais e a dominação brutal sobre eles; mas, quanto ao resto, sua análise me parece justa: a instituição do morticínio é, sem tirar nem pôr, a prática simbólica central que põe em cena a nossa superioridade em relação aos outros animais. O que é que « nos une aos animais » ? O fato de eles experimentarem sensações, terem interesses, serem mortais. O que é que « nos diferencia deles »? O fato de sermos « nós » (a Humanidade) que os comemos, que « os mantemos sujeitos a nós ».
E a sensibilidade moderna põe mais em dúvida o sadismo ou o que o evoca (violência), que a necessidade da dominação. Nossos contemporâneos gostam de conservar uma doce imagem de si próprios.
Criações industriais: a dominação torna-se demasiado abstrata, é preciso reconcretizá-la.
A natureza maciça do extermínio, por si só, afeta-a de um caráter violento: mesmo que não se dê vazão a nenhuma brutalidade, os bichos são ali os objetos indiferenciados de uma transformação utilitária. Não se trata, como no sacrifício grego (Détienne/Vernant, 1979), de pedir a cada animal uma aparência de consentimento, que lhe confere alguma existência social e faz de seu sangue o sinal distintivo de um contrato. Na matança maciça, os animais estão como se já estivessem mortos, a sua vida própria abolida pelo seu número, de maneira que a ausência de violência real, tratando-os como coisas - « sem cólera e sem ódio, como um carniceiro », escreve Baudelaire -, aparece ela própria como violência, menos visível e, por isso, mais temível. É sem dúvida por esta razão também que o sangue derramado nos matadouros tem uma conotação mais pesada de morte do que, por exemplo, o sangue do porco ou do carneiro que se mata para o consumo doméstico. Entre « matar o porco » e sangrar porcos em série, a quantidade abre um abismo: os dois extermínios não são, decididamente, da mesma natureza [23].
Segundo N. Viallès, é justamente porque o « contrato simbólico com o animal » está rompido pela matança em massa, que se procura recuperá-lo, sem muito sucesso, pela humanização do extermínio [24].
E vive-se efetivamente numa época que quer matar « humanamente », e que considera, além disso, desde algumas décadas, que os bons tratamentos produzem a boa carne : a evolução é espetacular, quando se recorda que, na história da nossa civilização (e, sem dúvida, das outras, como a China ou o Japão), é sempre o discurso inverso que reinou: a carne de um animal é tanto melhor quanto mais ele tenha sofrido, quanto mais a sua agonia tenha durado [25]. Hoje em dia, a defesa animal insiste muito nas « toxinas » produzidas pelo animal estressado, sofredor, angustiado ou aterrorizado, e que serão reencontradas em sua carne – um argumento que é, aliás, ao proceder de pessoas que se supõe que se preocupem com a sorte dos animais, particularmente obsceno! E, efetivamente, a CEMAGREF [26], por exemplo, observa que «será preciso levar em conta o conjunto destas observações para reduzir a dor infligida aos animais e suas consequências para a qualidade da carne.»
Mas voltemos a esse famoso «contrato simbólico com o animal», cujo desaparecimento acarreta a consciência pesada dos humanos comedores de carne; ele é bem simbólico, isto é, puramente formal, não se dirigindo senão à consciência dos dominantes. A violência interindividual para com o animal desapareceu, o extermínio não é mais «assumido» por aquele que se tornou o mero consumidor do mesmo, o comanditário à distância: a relação de extermínio tornou-se (para os humanos especistas, e de maneira nenhuma para os animais envolvidos) terrivelmente abstrata.
No entanto, não está longe o tempo em que os animais, se eles eram bem apropriados como hoje, o eram de uma maneira muito mais concreta, por todo o mundo. Cada um degolava por si mesmo o seu próprio porco, ou arrancava um olho à sua galinha, mantendo-a pendurada por uma pata, para esvaziá-la de seu sangue. Além disso, utilizava-se a força de trabalho de certos animais, da mesma forma que a de outros humanos ou a sua própria. A proximidade humano/animal, cujo desaparecimento é tão deplorado hoje em dia, era efetivamente maior.
Essa proximidade conferia uma substância, um significado simbólico claro ao extermínio, gerava sentimentos inteiros. Hoje em dia, as condições do extermínio e, a montante dele, da «produção», tornam esses sentimentos contraditórios, e o sentido do ato, menos imediato. Pois o animal em bateria quase não evoca mais o humano, nem mesmo o animal. Tratado como simples matéria, ele se torna simples matéria no nosso imaginário; o que fazia o seu charme e o seu valor, a saber, a sua semelhança com os humanos e o seu caráter não-humano ao mesmo tempo, se apaga e, por conseguinte, se reduz até desaparecer a volúpia de mastigar carne. Quando se mata, em condições industriais, um animal que nada viveu daquilo que no nosso imaginário faz um animal, um «verdadeiro», não se sente mais que se mata um animal; sua carne não mais evoca grande coisa para nós. Se o grande atrativo do extermínio é a encenação « do que nos une e que nos separa » do animal, a encenação de sua desvalorização através de seu extermínio, então as condições modernas de produção da carne ameaçam abolir esta motivação. E deixam por lá mesmo o campo livre para a má consciência, reforçada pelo fato de que aquilo que os animais envolvidos sofrem é ainda pior do que antes.
Quando hoje em dia piedosos espíritos se revoltam contra a criação concentracionária – sem deixar, por isso, de consumir os seus produtos, e ainda menos de pôr mais uma vez em dúvida o especismo -, tenho o sentimento de que eles, com bastante frequência, nada mais fazem senão revoltar-se contra a atual falta de ganho em termos de desfrute, a dessubstancialização da carne. E o desfrute simbólico desaparecendo, resta o mal-estar...
Mas a má consciência, por si só, é raramente que nos leva a tornar a abordar a questão real de uma dominação. Ela nos impele muito mais a reencontrar um estado de dominação sem culpabilidade, sem mal-estar. É o que exprimem, na minha opinião, essas exortações a criar e matar o animal por si mesmo, « olhando-o nos olhos », exortações que estão em toda a parte e em todas as bocas, e que, olhando em direção à idade de ouro do passado, não aspiram a mais do que restabelecer a proximidade, a reconcretizar a dominação. Recentemente, num congresso de sociologia aplicada, sobre os novos gostos alimentares dos franceses, uma das pesquisadoras declarou (notadamente com referência aos procedimentos de castração dos frangos de Bresse) que era preciso reatar os laços com a tradição e a barbárie (sic !) para reencontrar os favores do consumidor! Trata-se de reencontrar, de forma fantasmática, com os certificados de propriedades agrícolas, por exemplo, um animal real, feito de sangue, de carne e de vida, de uma vida correspondente ao nosso imaginário tradicional, de uma vida « natural », « harmoniosamente » integrada a essa « ordem natural das coisas », tão cara ao coração dos dominantes.
Quem, hoje em dia, não se opõe às criações industriais? Quem não desejaria o retorno a explorações de propriedades agrícolas de porte humano? A uma dominação « de rosto humano » ? A oposição tão virulenta (mas puramente verbal) às criações industriais e concentracionárias não traduz muito uma preocupação real com a sorte dos porcos, ou das galinhas, em questão. Ela é, antes, uma revolta contra a « violação da natureza » que se considera serem essas criações, e contra a falta de ganho em termos de desfrute que elas geram.
A evolução das sensibilidades se reveste de razões dietéticas.
Os primórdios da idade moderna viram, assim, nascer sentimentos que deviam, em seguida, tornar cada vez mais difícil aos homens acomodar-se aos métodos impiedosos que haviam assegurado a dominação da sua espécie. Por um lado, eles viram aumentar de forma incalculável o conforto e o bem-estar ou a felicidade física dos seres humanos; por outro, eles compreenderam que outras formas de vida animada eram exploradas sem piedade. Foi assim que as sensibilidades novas e as bases materiais da sociedade humana foram se opondo cada vez mais. Uma mistura de compromissos e de dissimulação permitiu até aqui que não se resolvesse completamente este conflito. Mas não se pode sempre recorrer a subterfúgios, e com muita certeza a questão será recolocada. Essa questão constitui uma das contradições sobre as quais se pode dizer que a civilização moderna repousa [27].
Faz bem uma década que se processa uma importante mutação das preferências alimentares: como vimos, pela primeira vez na história ocidental, as carnes valorizadas perdem terreno (e valor): menos carnes vermelhas, mais carnes brancas e peixe. Esta evolução me parece estar ligada à mudança das sensibilidades diante da violência, da relação com os animais e a dominação; mas ela não se afirma como tal, recusa-se a tomar consciência de si mesma, e se legitima, pelo contrário, através de um discurso de ordem médica, dietética:
... reduzam o seu consumo de gorduras animais visíveis (toucinho, manteiga, creme), e ocultas (alimentos fritos, pratos com molho, bolos, queijo, charcutaria). Substituam o leite integral pelo leite desnatado, as carnes gordas (boi) pelas carnes magras (aves) (...). Consumam peixe uma a duas vezes por semana, e todo dia frutas, legumes, cereais [28]...
Os argumentos invocados são puramente dietéticos, mas salta aos olhos o quanto eles respeitam a ordem simbólica das carnes. É que faz dois séculos que o discurso médico e sanitarista tem substituído com bastante frequência os discursos morais, políticos e sociais, para justificar diversas evoluções: masturbação reputada como geradora de patologias físicas e mentais, matadouros e cemitérios afastados das cidades por motivos de higiene, etc. [29].
Considerando-se o desenvolvimento deste discurso dietético, os industriais da carne são levados a lutar no mesmo campo, para tentar, senão desenvolver o seu mercado, pelo menos mantê-lo:
Dos diferentes aspectos sob os quais se pode considerar a carne, as características nutricionais não foram levadas em conta senão bastante tardiamente e constituem um domínio ainda mal explorado científica e economicamente, o qual, para alguns, só tem um interesse menor.Isto é de se lamentar, pois o valor nutricional das carnes e os problemas que ela coloca provavelmente assumirão no futuro uma importância crescente. (...)
As carnes (...) encerram, em quantidades notáveis, nutrimentos muito importantes (...). O seu perfil geral (...) aparenta-os com produtos dietéticos e, quanto às carnes totalmente preparadas das diferentes espécies, a sua inclusão no grupo dos produtos hipocalóricos justifica-se mesmo plenamente [30].
Tal é o discurso que desenvolvem os profissionais da carne. Mas se, como eu penso, atrás do discurso dietético se oculta uma evolução das sensibilidades diante da violência, pode-se pensar que esta propaganda não terá, no final das contas, senão um sucesso mitigado.
E, com efeito, a indústria agroalimentar deposita igualmente grandes esperanças numa carne de um tipo novo, emocionalmente ainda mais neutro:
Agora se considera a possibilidade de modificar a forma de apresentação das carnes, oferecendo ao público produtos obtidos - a partir de carnes previamente desestruturadas - por reestruturação, de maneira a conferir-lhes novas propriedades de textura, e também uma apresentação geral que corresponda às novas necessidades dos consumidores [31]....É assim que recentemente foram colocadas no mercado carnes que poderíamos chamar « do 3° tipo ». Trata-se de peças obtidas por reconstituição de músculos desestruturados segundo uma técnica especial. Essa desestruturação tem por finalidade a produção de uma espécie de « minérios » de carne, isto é, de uma matéria-prima apta a ser apresentada de diferentes maneiras [32].
Essas carnes, desembaraçadas de tudo o que ainda pode lembrar o animal, os ossos, os nervos, etc., formam « porções homogêneas », isto é, inidentificáveis [33]. Pode-se logicamente pensar que esses « novos produtos », que não mais conservarão muito da carne a não ser a origem animal, vão ainda acentuar as contradições no espírito do consumidor: o seu caráter « desencarnado », por assim dizer, aplanará, sem dúvida, os sentimentos de desgosto num primeiro tempo, mas também aumentará, de forma geral, o mal-estar referente aos produtos compostos de carne.
Resultado dos desdobramentos: a situação atual causa ainda mais mortes e sofrimentos do que outrora.
O setor dos produtos carnados passa, desde algum tempo, por um período difícil, pois a carne não tem mais absolutamente a imagem que ela tinha num passado ainda próximo. Contudo, esta evolução não é irreversível, como se pode constatar por certos indícios, tais como: providências de qualidade tomadas pelos diferentes agentes da sequência de pessoas envolvidas; intervenções para desbanalizar o produto carne; desenvolvimento da comunicação; renovação do interesse pelo autêntico e a tradição [34].
O ensinamento a ser daí extraído é, pois, que as estratégias que são atualmente elaboradas nos laboratórios da profissão vão diversificar-se enormemente, para responder de diferentes modos ao mal-estar. Alguns vão continuar a explorar o filão da dominação, com peças publicitárias do tipo « Que força tem o boi! », ou « São sempre os mesmos que degustam! »; assim, o reagrupamento interprofissional Viande Suisse afixou recentemente grandes painéis representando um pedaço de carne vermelha, intitulados: « Deixe de moleza. Coma disto! ». Mas outras estratégias visam, pelo contrário, a traçar uma linha sobre o caráter simbólico da carne, destacando os seus aspectos macios, dietéticos. E se desenvolvem também carnes nas quais nada mais permite reconhecer o animal, cujo sangue inteiro, toda a corporalidade foi evacuada: com as proteínas animais reestruturadas não permanecerá nada do que atualmente motiva com frequencia a rejeição das carnes, se não é, infelizmente, o sofrimento e a morte daquele de quem era a carne.
É, portanto, bem possível que, num futuro próximo, o número dos « desertores da alimentação à base de carne », fundamentando-se num álibi dietético, ou nessa sensibilidade que não ousa dizer o seu nome e se vincula unicamente aos símbolos da violência e da dominação, deixe de crescer: essa simbologia em breve se terá tornado, por um lado, ainda mais sutil e etérea, menos identificável e discernível (por análise ou por sentimento) do que é hoje. Em compensação, eu apostaria efetivamente que o mal-estar diante da alimentação à base de carne continuará a se desenvolver, e assumirá formas cada vez mais conscientes.
Isso deve reforçar-nos em nossa determinação de dar a máxima ênfase à argumentação ética e a uma crítica global, política, coerente, da dominação especista: além de ela ser a única em que nós (antiespecistas) nos reconhecemos [35], talvez seja em breve também a única capaz de influir nas pessoas, se é que, aliás, as outras alguma vez tenham tido reais consequências benéficas para os não-humanos.
Pois deve estar claro que a situação atual dos não-humanos piora quantitativamente, consequência paradoxal do mal-estar contemporâneo a propósito da violência especista: « A produção mundial de carne (em toneladas) aumenta em 71% entre 1970 e 1990, o número de animais mortos, bem mais, uma vez que são as espécies de pequeno porte que experimentam o crescimento mais intenso (+ 137% para a tonelagem de carne de aves) [36]. »
A reação das pessoas permanece centrada nelas mesmas, em seus próprios sentimentos de humanos dominantes, independentemente da realidade dos dominados; a parte das carnes vermelhas no consumo diminui, a das carnes brancas e do peixe aumenta; o símbolo da violência diminui, a violência aumenta. A carne de um boi pode alimentar um humano durante um ano, enquanto a de um frango durante dois dias; mas que importa ao consumidor em termos de imagem de si mesmo: a carne bovina tem a aparência mais violenta. A evolução atual, que no momento permanece mais no plano da simbólica do que no da consideração dos interesses dos animais não-humanos, da recusa consciente e conscientizada da dominação e da exploração, tem, finalmente, por atroz consequência, o aumento do número de vítimas.
No entanto, não é, sem dúvida, o efeito do acaso se só hoje o movimento pela igualdade animal nasceu e se desenvolve (um pouco): é o fruto de contradições em andamento desde alguns decênios nas nossas relações com os outros animais, e do desejo de superar estas últimas, e o mal-estar que elas geram, por uma reconsideração radical. Mas esta estratégia de ruptura com a ordem atual permanece espontaneamente muito minoritária. O antiespecismo deve desenvolver modos de ação que ponham em xeque a nossa própria consciência espontânea das coisas, espontaneamente uma consciência de dominantes: enquanto eles não fizerem estourar o quadro das representações mentais ligadas à dominação, enquanto eles não atacarem esta última em profundidade, estaremos nos arriscando a nos afundarmos em vias que nada têm a ver com os interesses reais dos animais.
Assim, acho importante dar ênfase à sorte desses animais abandonados pela nossa sensibilidade e o nosso imaginário, que são os peixes e as « aves » ; esta demarcação em relação à sensibilidade comum torna certamente difícil um sucesso rápido, mas pode permitir-nos exacerbar as contradições em andamento na população e, assim espero, precipitar as tomadas de consciência.
[1] Referir-se, por exemplo, ao artigo de E. Reus, « Vie, mort et transfiguration de la bête à viande » [« Vida, morte e transfiguração do animal em carne »], página 7 deste número dos Cahiers.
[2] Marc Traverson, « La Fibre verte », [« A Fibra verde »], Le Point, 25 de abril de 1992. É significativo o fato de que o steak tenha sido adotado pelo jornalista como representativo da carne em geral. Aliás, o artigo não é muito brilhante.
[3] As suas publicidades podem ser encomendadas gratuitamente ao CIV (Centro de Informação das Carnes), 64 rue Taitbout, 75009 Paris.
[4] Bertrand Hell, « Le sauvage consommé » [O selvagem consumado], revista Terrain n° 10, abril de 1988, pp. 74 a 85.
[5] Marina Yaguello, Les mots et les femmes As palavras e as mulheres, ed. Payot, 1987, cap. « La Langue du mépris » [A Língua do desprezo].
[6] Cf. (sob a direção de) G. Duby e M. Perrot, Histoire des femmes História das mulheres, ed. Plon, 1991, t. 1, L’Antiquité A Antiguidade, e notadamente : nota 36, p. 536, p. 270, p. 287. As mulheres do século XVIII, sujeitas aos « vapores », devem beber tisanas ou suco de frango (Philippe Perrot, Le corps féminin O corpo feminino, séculos XVIII-XIX, ed. Seuil, 1984, p. 84). Em contrapartida, é bem conhecido o fato de que os homens, ao quererem virilizar-se ou recuperar a saúde, deviam, no século XIX, beber sangue de boi, se possível no próprio matadouro. Por outro lado, aprende-se que no século passado, « desde o nascimento, as meninas são menos bem acolhidas; conscientemente ou não, elas são negligenciadas. Um preconceito tenaz, do qual Michelet se faz o eco, retira as carnes, sobretudo as carnes vermelhas, da alimentação das mesmas. » (Yvonne Kniebiehler, « Corps et coeurs » [Corpos e corações], Histoire des femmes História das mulheres, t. 4, p. 360).
[7] Delamare, Traité de la police Tratado da polícia, M. Brunet ed., Paris, 1719, t. 3; citado por L. Bérard (cf. abaixo).
[8] Laurence Bérard, « O Consumo de peixe na França: prescrições alimentares com a preponderância da carpa », revista Antropozoológica, 2° número especial de 1988: « O animal na alimentação humana: os critérios de escolha », atas da conferência internacional de Liège, 26-29 de novembro de 1986.
[9] É também o título e o objeto de um quadro de Brueghel, o Velho.
[10] « As patas traseiras do castor são espalmadas e a sua cauda parece a certos autores recoberta de escamas, à semelhança de um peixe. (...) tendo em vista a impossibilidade de resolver o debate sobre a sua natureza [terrestre ou aquática], ele foi cortado em dois. Se a parte dianteira desse animal permaneceu efetivamente carne aos olhos da Igreja, as patas traseiras e a cauda assemelham-se à carne de peixe, constituindo, portanto, iguarias de Quaresma altamente apreciadas (...) Mais uma vez, a astúcia das práticas levou vantagem sobre os rigores da doutrina. » Bruno Lauriaux, Manger l’impur, animaux et interdits alimentaires durant le Haut Moyen-Age Comer o impuro, animais e interditos alimentares durante a Alta Idade Média, 1986, pp. 79 e 87 (não consigo encontrar as referências completas).
[11] L. Stauff, Ravitaillement et alimentation en Provence aux XIVe et XVe siècles Abastecimento e alimentação na Provença nos séculos XIV e XV, ed. Mouton, Paris, 1970.
[12] Noël de la Marinière, Histoire générale des pêches anciennes et modernes História geral das pescas antigas e modernas, Imp. Royale, Paris, 1815, citado por L. Bérard, op. cit.
[13] Philippe Salvadori, « La Chasse, une passion française » [A Caça, uma paixão francesa], revista L’Histoire A História, n° 152, fevereiro de 1992, p. 53.
[14] Cf. David Olivier, « "C’est horrible." », [É horrível], Cahiers antispécistes Cadernos antiespecistas n° 6, março de 1993.
[15] Norbert Elias, La Civilisation des moeurs A Civilização dos costumes, ed. Calman-Lévy, col. Presses-pocket, 1989 [1939], p. 281; o autor dá diversos exemplos de uma volúpia de massacre então perfeitamente admitida.
[16] Em compensação, a violência do próprio sistema social é calada, implícito não-formulado, aliás não-sentido, não-vivido: aplicando-se a todos, impessoal, é a violência de uma situação a que não se pode atribuir responsabilidade/culpabilidade individual: é como se apontá-la com o dedo não oferecesse mais saídas, nem psicológica (não existe mais o mal e, portanto, nem a possibilidade de odiar, nem de se vingar), nem prática (não há mais possibilidade de intervir individualmente nas coisas).
[17] N. Elias, op. cit., pp. 168, 169, 173, 171 e 172.
[18] Jean Billault, Escola Superior dos Ofícios da Carne, « L’Évolution du métier de boucher » [A Evolução do ofício de açougueiro], em L’Homme et la viande O Homem e a carne, boletim n° 48 da Sociedade de Etnozootecnia, 1992, pp. 60, 61 e 65.
[19] Um interesse consequente é um interesse socialmente reconhecido. Numa sociedade fundamentada na propriedade privada, um interesse consequente terá com frequência a ver com uma reivindicação de propriedade.
[20] Etimologicamente: avaler = engolir: fazer descer (pela garganta); ravaler: = tornar a engolir; fazer descer (na estima).
[21] Muitas pessoas conhecem humanos que não comem carne, mas dizem, assim mesmo, que ela é « vital ». Talvez eles creiam crê-lo? Trata-se, provavelmente, do jogo de uma má consciência que se recusa a tomar consciência de si mesma.
[22] Paul Yonnet, « La voix de son chien » [A voz de seu cão], L’Express O Expresso de 19-25 de janeiro de 1990.
[23] Noëlie Viallès, Le Sang et la chair, les abattoirs des pays de l’Adour O Sangue e a carne, os matadouros das regiões do (Rio) Adour, ed. de la Maison des Sciences de l’Homme [da Casa das Ciências do Homem], col. Etnologia de França, Paris, 1987, p. 83.
[24] N. Viallès, op. cit., pp. 129 a 135.
[25] David Olivier, « Le goût et le meurtre » [O gosto e o extermínio], Cahiers antispécistes Cadernos antiespecistas n° 9, jan. de 1994, pp. 8 a 15.
[26] Centro nacional da Maquinaria Agrícola, da Engenharia rural, das Águas e Florestas, divisão Tecnologia da carne, agrupamento de Clermont-Ferrand, boletim n° 9, 1982, p. 99; citado por Viallès, op. cit., p. 74.
[27] Keith Thomas, Dans le jardin de la nature, La Mutation des sensibilités en Angleterre à l’époque moderne No jardim da natureza, a Mutação das sensibilidades na Inglaterra na época moderna (1500-1800), ed. Gallimard, 1985, p. 393.
[28] M.-L. Moinet, « Paradoxe: nos amies les graisses » [Paradoxo: as nossas amigas gorduras], Science et Vie Ciência e Vida n° 932, maio de 1995, p. 75.
[29] Cf. N. Elias, op. cit., e Michel Foucault, Histoire de la folie à l’âge classique História da loucura na idade clássica, U.G.E. (Union Générale d’Edition = União Geral de Edição), col. 10/18, 1964, ou então, ainda a sua volumosa Histoire de la sexualité História da sexualidade. E também, Michel Vovelle, Mourir autrefois, Attitudes collectives devant la mort aux XVIIe et XVIIIe siècles Morrer antigamente, Atitudes coletivas diante da morte nos séculos XVII e XVIII, ed. Gallimard/Julliard, 1974.
[30] B. L. Dumont, do Laboratório de Pesquisas sobre a Carne do INRA (Institut Scientifique de Recherche Agronomique = Instituto Científico de Pesquisa Agronômica), « La Gestion de la valeur nutritionnelle des viandes » [A Gestão do valor nutricional das carnes], em L’Homme et la viande O Homem e a carne, boletim n° 48 da Sociedade de Etnozootecnia, 1992, pp. 1, 6, 8 e 9.
[31] B. L. Dumont, « Relations entre la découpe bouchère et la structure de la musculature » [Relações entre o corte sanguinário e a estrutura da musculatura], revista Anthropozoologica, número especial de 1987 : « La découpe et le partage du corps à travers le temps et l’espace » [O corte e a partilha do corpo através do tempo e do espaço ], pp. 9 a 17.
[32] Jean Billault, artigo citado, p. 66.
[33] Tradicionalmente, a carne de cavalo é apresentada de maneira muito particular: « Nenhuma carne é tão desprovida de ossos e de "nervos" (aponeuroses), de alusões ao corpo do qual ela provém. » N. Viallès, « Le jeu des découpes » [O jogo dos cortes], Boletim de Etnozootecnia n° 48, 1992, pp. 52 e 53. Cf. também e sobretudo F. Poplin, « Le cheval, viande honteuse » [O cavalo, carne vergonhosa], mesmo boletim, pp. 23 e 34.
[34] Jean Billault, artigo citado, p. 65.
[35] Com, no entanto, a argumentação referente à fome no mundo, argumentação ética com a qual estamos de acordo. Se não insistimos nesta consequência indireta da alimentação maciça à base de carne dos países dominantes, é porque não é o assunto.
[36] E. Reus, artigo citado.