Em Animals’ Agenda (Agenda dos Animais), novembro de 1991:
Segundo Jared Diamond, professor de fisiologia na California Medical School (Escola Médica da Califórnia), em Los Angeles, «Os humanos não constituem uma família distinta, nem mesmo um gênero, mas pertencem ao mesmo gênero que o chimpanzé comum e o chimpanzé anão». Diamond detalha os dados genéticos que sustentam a sua tese em seu novo livro, The Rise and Fall of the Third Chimpanzee (A Ascensão e Queda do Terceiro Chimpanzé).
Trata-se de uma questão de classificação, de ordenação em compartimentos. Atualmente, os zoólogos colocam a espécie humana, denominada Homo sapiens, num compartimento exclusivo dela, o gênero Homo. No sistema utilizado para classificar as espécies vivas, os gêneros são os compartimentos de primeiro nível, e estão eles próprios reagrupados em famílias, depois em ordens (aqui: os primatas), em classes (os mamíferos), em ramificações (os vertebrados [1]), e, por fim, em reinos (os animais). Às vezes se acrescentam níveis intermediários, como no presente caso a superfamília, que reagrupa algumas famílias.
Na classificação atual, como se vê no quadro a seguir, a espécie humana tem direito não somente a um gênero, mas também a uma família inteira exclusivamente para si, o que é incomum, sem ser excepcional.
A classificação atual: | O que ela poderia tornar-se : |
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Superfamília: Hominóides, com 3 famílias:
Família dos Hilobatídeos = gibões...
Família dos Pongídeos, 3 gêneros: Gênero Pongo = orangotangos, 3 espécies
Gênero Pan = chimpanzé, 2 espécies: Pan troglodytes = chimpanzé comum
Pan paniscus = chimpanzé anão
Gênero Gorilla, 1 espécie
Família dos Hominídeos, 1 gênero: Gênero: Homo, 1 espécie: Homo sapiens = humano
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Superfamília: Pongóidés, com 2 famílias:
Família dos Hilobatídeos = gibões...
Família dos Pongídeos, 3 gêneros:: Gênero Pongo = orangotango, 3 espécies
Gênero Homo, ou Pan, 3 espécies: Homo, ou Pan, troglodytes
Homo, ou Pan, paniscus
Homo, ou Pan, sapiens
Gênero Gorilla, 1 espécie
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A modificação proposta por Diamond implicaria suprimir não somente a nossa família (muitos zoólogos estão de acordo), mas também o nosso gênero. A espécie humana seria realojada no mesmo gênero que os chimpanzés.
O ponto sensível da arrogância humana é que se trata não somente de compartimentos, mas também de nomes. Temos orgulho de chamar-nos Homo, «ser humano» em latim, e somos o único Homo, que além disso é sapiens, «sábio» em latim. Ora, neste sistema lineano, cada espécie é chamada pelo seu nome de gênero - um substantivo, portanto, que quer dizer aquilo que somos - seguido de um adjetivo, para dizer como nós o somos. Colocar-nos no mesmo gênero que os chimpanzés será obrigar-nos a usar o mesmo nome substantivo que eles, com apenas uma qualificação diferente.
Assim sendo, atribuindo-se ao novo gênero comum o nome Homo, o nosso nome permaneceria Homo sapiens, mas as duas espécies de chimpanzés se chamariam: Homo troglodytes e Homo paniscus ; isto sugeriria que nos seus laboratórios os humanos mutilam e matam cotidianamente, em seu benefício, outros humanos. Se, pelo contrário, se conserva o nome Pan, seríamos Pan sapiens, o que pareceria dizer que somos, em substância, chimpanzés - que praticamos a vivissecção em outros dos mesmos, porque isto nos convém e porque somos mais fortes do que eles.
Não li o livro de Diamond. Segundo Animals’ Agenda, sua tese se apóia em dados genéticos. Isso pode parecer que lhe dá um cunho de objetividade, mas não se deve iludir: não existem hoje em dia critérios objetivos universalmente reconhecidos para justificar a reunião ou não de duas espécies numa mesma divisão. O problema neste nível não reside na determinação das diferenças entre espécies, sejam elas genéticas, anatômicas, comportamentais ou outras, mas na importância a ser atribuída a cada uma dentre elas. Li assim, num livro sério, um biólogo sério [2] propor seriamente não somente dar ao ser humano uma família exclusivamente para ele, mas criar também para ele uma ordem e uma classe - não seríamos mais mamíferos, como os porcos - e ainda uma ramificação à parte, e, mais ainda que isso, seríamos, segundo ele, o único representante de um reino, o reino humano, e isto, não ao lado dos reinos animal e vegetal, mas mais longe ainda, num super-reino nosso, o dos Noobiontes, dos seres vivos que pensam [3]. E esta extravagância - que vai mais longe ainda que o uso corrente da língua que classifica os humanos à parte dos animais - se basearia, para esse biólogo, no fato de que os humanos «sabem que eles sabem», quando os animais, lamentavelmente, quando muito, sabem, mas, diz ele, não sabem que sabem.
O que é que isto muda? Em princípio, nada. Nós lutamos para que a consideração dos interesses de tal ou tal ser não dependa do número das suas patas, nem de sua capacidade de saber que ele sabe, nem do gênero ou do reino em que ele está classificado, nem do nome que lhe é dado.
Para mim, não se trata de dizer que as diferenças entre os humanos e os outros animais não têm importância. Eu creio que o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos humanos chegou, pela primeira vez na história da terra, a ultrapassar certo limiar crítico, permitindo a explosão da cultura, sendo esta explosão um fenômeno natural, mas único no dia de hoje. Esta cultura nos permitiu, ao menos em certos pontos, melhorar a nossa própria sorte. Mas o que importa sobretudo é que, devido a este fato, adquirimos uma responsabilidade sem precedente, individual e coletiva, para com todos os seres sensíveis, quer isto nos agrade, quer não. Não somos substancialmente diferentes dos outros animais; o que faz a nossa vida, os nossos prazeres e os nossos sofrimentos, os nossos desejos e as nossas dores, muitos outros, além dos humanos, os experimentam. Mas temos a responsabilidade, não somente de acabar com a exploração brutal que impomos aos outros seres, mas também de fazer com que eles se beneficiem das nossas capacidades, sem que nos encerremos nesse apartheid das espécies, esse desenvolvimento separado que reivindica a maioria dos ecologistas (o apartheid, aliás, não excluindo, realmente, a exploração).
O que podem, portanto, alterar essas questões de classificação e de denominação ? Agora, é verdade que, sob um outro nome, a rosa não tem o mesmo perfume. E uma vez que temos uma responsabilidade em relação aos outros seres sensíveis, não será classificando-nos o mais longe possível em separado deles que nós nos prepararemos para assumi-lo.
Se o racismo é um erro, não é porque todos os humanos se classificam dentro da mesma espécie; no entanto, a questão foi debatida acaloradamente no século XIX. Hoje em dia, os humanos são colocados na mesma espécie porque são interfecundos. Isto, em si, não fez desaparecer o racismo, do mesmo modo que a tese de Diamond, se ela for reconhecida, não é uma varinha de condão contra o especismo. Entretanto, a vontade que tiveram os racistas de colocar alguns o mais longe possível em separado deles assemelha-se bem à que tiveram os especistas de afastar-nos, no seio da classificação dita científica, dessa «parentela vergonhosa» que representam para eles os outros animais e os outros macacos em particular. E o fato de mudar os nomes, de nos denominarmos chimpanzés ou de chamar os chimpanzés de humanos, certamente faria ranger muitos dentes, e sobretudo, talvez torne um pouco mais difícil ainda sustentar que os nossos interesses devem contar infinitamente mais do que os de todo aquele que não é humano [4].
[1] Mais exatamente, a ramificação dos cordados - mas os cordados são quase todos vertebrados.
[2] Georges Pasteur, artigo intitulado «Le foisonnement du vivant» («O intumescimento do ser vivo»), em Histoire des êtres vivants : le monde animal (História dos seres vivos: o mundo animal), dir. Jean Dorst, Hachette, 1985.
[3] Os dois super-reinos são, classicamente, os procariotos (bactérias) e os eucariotos (plantas, animais, fungos e protozoários) ; para G. Pasteur, parece que a distância entre uma vaca e um humano é tão importante quanto a distância entre uma bactéria e uma vaca.
[4] «Os animais – dos quais fizemos os nossos escravos – nós não gostamos de considerá-los nossos iguais. Os proprietários de escravos não desejam fazer do homem negro um outro gênero (kind)?» Charles Darwin, citado em «Darwin Unbuttoned» («Darwin Informal»), J.R. Durrant, The New York Review of Books, 28 de abril de 1988.